Capítulo 05 – Strongwill


A brisa suave acariciava seu rosto. Seus longos cabelos ruivos agitavam-se, brilhando intensamente sob a luz do sol. A tradicional grama esverdeada que crescia naquelas terras atravessa seus sapatos e pinicava seus pés, e o cheiro das flores invadia seus pulmões a cada tomada de ar.

- Hum, acho que é por aqui... – murmurou para si mesma, mirando a trilha de terra que seguia para o norte. Na sua mão direita um pedaço de papel dizia “Mapa de Rune-Midgard”. 

Seu vestido vermelho com bordados amarelos parecia dançar conforme o vento, revelando, eventualmente, sua bainha e espada presas ao cinto.

Ruby vestia também um xale de seda, igualmente vermelho, preso sutilmente por um broche de ouro no formato de uma rosa, dando um tom mais nobre a garota de olhos vermelhos. Nos seus ombros, duas estampas de rosas douradas, símbolos da sua família, refletiam a luz do sol da tarde.

Ela suspirou, vislumbrando o mapa novamente para confirmar que escolhera a rota correta. Por alguns momentos, sentiu-se completamente estúpida por não conseguir chegar à cidade mais popular de toda Rune-Midgard.

Cabisbaixa, mirou o chão à frente, pousando seu olhar numa linda rosa vermelha que brotava do solo. Instantaneamente, sua mente divagou, memórias recentes vieram à tona, isolando-a de tudo e todos ao seu redor, mergulhando-a no mais profundo oceano de sua mente...


۞

- Mas filha, você tem certeza que quer fazer isso? – os olhos aguados do homem contemplavam com preocupação a figura de cabelos avermelhados à sua frente. Podia jurar que até ontem ela não passava de uma garotinha, brincando de esconde-esconde nos jardins do castelo...

- Papai não chore, eu... – Ruby não conseguia evitar que as lágrimas corressem dos seus olhos ao fitar o pai.

Lorde Maximilliam para todos, Max para os íntimos e pai exclusivamente para ela; ele era um homem alto, de ombros largos e braços fortes. Ostentava uma aparência cansada, talvez até pálida, tinha em torno de 45 anos e carregava sua enorme espada na cintura. Pequenas cicatrizes, ou “tesouros de guerra”, como ele preferia chamar, faziam-se visíveis em alguns pontos do seu corpo, tais como o cotovelo direito e a coxa esquerda.

- N...não estou chorando, é a claridade nos meus olhos...- disfarçou Max, enxugando as pequenas lágrimas que já não hesitavam em cair.

Ruby olhou a sala ao seu redor. Os aposentos de seu pai estavam completamente escuros, salvo por pequenas faixas de luz que invadiam o cômodo através das frestas nas cortinas.

- Olha papai, são só alguns meses, antes que você perceba eu já vou estar de volta!
- Alguns meses? Ruby, eu perdi a sua mãe em questão de segundos... Você não entende, nunca vai entender...
- Eu já me decidi pai, eu preciso fazer isso, é a única forma de amadurecer. Além do mais, se eu pretendo um dia ocupar o cargo de rainha de Izlude, eu preciso estar preparada. De que vale uma governanta que mal conhece as terras além das fronteiras da sua própria cidade? Como poderei eu, isolada aqui, crescer e me tornar uma rainha capaz de defender os interesses do meu povo?


- Não diga besteiras filha! Izlude pode muito bem lhe oferecer uma formação qualificada, você sempre foi muito bem treinada e educada e...

- Não estou falando de habilidades com a espada, nem sobre capacidade de resolver cálculos ou aprender a história dos nossos antepassados... Estou falando de experiência de vida pai. Estou falando de VIVER! – nesse momento o tom de voz da garota mudava, ela parecia decidida.

Lorde Maximilliam olhou ao redor, talvez buscando a ajuda de alguém que ele sabia que não estava lá. Constatou que estava sozinho naquela discussão, e sabia que estava errado. Foi então que seus olhos encontraram os dela... Aqueles enormes olhos, vermelhos como sangue, eram tão lindos. Aqueles mesmos olhos de sua esposa, aquele mesmo brilho no olhar... Finalmente lembrou-se o motivo de tudo aquilo, de toda aquela superproteção, e foi então que se deu conta de que não havia porque continuar discutindo; os olhos de Ruby diziam muito mais que mil palavras...

- Se é assim, creio que eu não tenha opção. De certa forma eu te entendo Ruby, eu também fiz a mesma coisa com a sua idada, ainda assim, é difícil para mim vê-la partir, acho que não estou pronto para te perder... – Max observava sua filha adolescente, em breve seria uma mulher, não conseguia deixar de sentir um pouco de nostalgia, ela nunca mais seria a garotinha indefesa que ele tanto mimava, e ele sabia disso. Muito embora, no fundo, ele soubesse que tinha de deixá-la ir.

- Você não vai me perder pai, eu prometo. Por favor, confie em mim...
- Eu confio Ruby, você nem imagina o quanto... E é por isso que eu quero te dar uma coisa antes de você partir.
- Uma coisa? O quê?

Nesse momento Maximillian sinalizou com a mão direita e um criado que até então nem havia sido notado na sala surgiu em resposta.

- Pois não, senhor? – perguntou o servo, após uma breve reverência.
- Jerew, queira fazer o favor de me trazer a caixa.
- A caixa? O senhor quer dizer... Aquela caixa?
- Sim Jerew, aquela caixa. Traga-a para mim por gentileza – sorriu o lorde.
- S... Sim senhor – obedeceu ele, inseguro, retirando-se da sala às pressas.

- Pai, do que o senhor está falando afinal? Que caixa é essa?
- Ruby... Sente-se aqui, tem uma história que eu gostaria de lhe contar.

A garota deslizou seu vestido avermelhado sobre a cômoda, aconchegando-se na cama, ao lado de seu pai.

- Você já ouviu falar sobre as Velhas Caixas Azuis?
- Caixas Azuis...?
- Entendo. Bom, vamos começar do começo...

Há mais de 25 anos atrás, pouco tempo depois de eu ter me tornado um cavaleiro, eu saí numa jornada com mais dois companheiros. Nosso primeiro destino foi Aldebaran, éramos jovens e as histórias acerca daquela cidade eram repletas de ação, perigo e aventura, e não demoraram muito para chegar nos nossos ouvidos curiosos. Pois bem, nós seguimos então para Aldebaran, enfrentando quaisquer desafios que encontrávamos pelo caminho. Então, quando finalmente alcançamos a cidade e descobrimos o quão exageradas as histórias eram, ficamos decepcionados. Aldebaran era uma cidade interessante, nada além disso. Nada de monstros à solta, donzelas em perigo ou tesouros escondidos.

Cansados e decepcionados, optamos por pernoitar na cidade e continuar a jornada pela manhã, talvez em direção aos campos de Juno, ou de volta à Prontera. Mas foi então que nós escutamos os boatos que corriam soltos na cidade, boatos sobre as terras ao Norte, cobertas pela neve. Novamente nossa curiosidade e constante busca por aventuras tomaram vez, e nós partimos logo em seguida buscando esse tão falado lugar ameaçador. Nós atravessamos os limites da cidade e penetramos nas terras gélidas do Norte, encontrando por fim o tal local.

Pela primeira vez na vida ficamos realmente satisfeitos – e até surpresos – com o que encontramos. A região era repleta de monstros e perigos, na medida certa para acalmar nossa adrenalina juvenil

Estávamos lá enfrentando os enormes Sasquatchs – ursos polares de mais de dois metros de altura, que andavam sob duas patas e tinham a agilidade de um gato combinada à força de um rinoceronte. Seus pêlos brancos confundiam-se com a neve sob nossos pés, suas presas e garras eram tão grandes que poderiam esmagar nossas cabeças com tamanha facilidade que parecia ridículo sequer tentar confrontá-los. Naturalmente, o bom senso não fazia parte do nosso arsenal naquela época, e não era um par de ursos gigantescos que nos impediria de atingir nossos objetivos. Nós avançamos sobre eles sem pensar duas vezes, travando um combate intenso. No final estávamos os três caídos na neve, exaustos e cobertos de suor. Ao menos o sangue que tingia o tapete esbranquiçado não era nosso; os dois ursos jaziam caídos, mortos, do nosso lado.

- Nossa! Você já lutou com Sasquatchs, e venceu! Pai, você é o máximo!
- Sim filha, eu já vi e fiz muitas coisas nesse mundo a fora, a maioria das quais você nem deveria saber, pois são péssimos exemplos.
- Um dia você vai me contar tudo que já fez, e, até lá, eu também terei minhas próprias histórias incríveis para contar! Isso é uma promessa!
- Hahaha, como quiser Ruby, mas agora deixe-me terminar.
- Ah sim... O que tudo isso tem a ver com a caixa afinal?
- Espere que você já vai entender.

Deitados ali, naquele fim de mundo, cercados pela neve e pelo gelo até onde a vista podia ver, nós finalmente pensamos que aquele era o fim, que, dessa vez, tínhamos ido longe demais. 

Talvez fosse verdade, mas eu nunca cheguei a descobrir, porque naquele momento um misterioso senhor surgiu, saindo de trás das árvores congeladas. Ele tinha pouco mais de um metro e meio, botas de couro pretas e uma longa barba, tão branca quanto a neve. Ele vestia um casaco e calças vermelhas e vinha com um sorriso estampado no rosto. O nome dele era...

- Pai, não me diga que você está falando do...
- Papai Noel – terminou ele, lançando um breve sorriso para a garota confusa ao seu lado.
- Ah pai, eu pensei que você estivesse falando sério!
- E estou.
- Não, não está! Você acha que eu ainda tenho 10 anos? Sei muito bem que o Papai Noel não passa de uma lenda infantil.
- Se é nisso que você acredita, eu não posso fazer nada. Na verdade, não posso te culpar, visto que foi exatamente isso que eu pensei naquele momento...

E o homem nos trajes vermelhos deu uma gargalhada, ajudando cada um de nós a levantar-nos. Uma vez que estávamos frente à frente, ele olhou fundo nos meus olhos e perguntou qual era meu propósito ali, por que eu tinha vindo tão longe e arriscado a minha vida; foi então que eu respondi que tinha feito aquilo porque foi o que meu coração me mandou fazer, que eu acreditava que seguir meus impulsos era o que realmente importava e que só assim eu realmente iria viver a minha vida em paz, sem preocupações ou arrependimentos.

E ele sorriu novamente, aparentemente satisfeito com a resposta. Logo em seguida, ele nos fez uma proposta. Disse que poderia nos levar à um lugar mágico, incomum, um lugar além do alcance dos humanos, que só era acessível para aqueles poucos considerados os escolhidos. Como de costume, nós não pensamos duas vezes, principalmente considerando que havíamos sido selecionados numa malta privilegiada, aceitamos de imediato.

- E que lugar mágico era esse?!

Bem vindos a Lutie! – foi o que ele gritou para nós, assim que, num passe de mágica, pousamos numa ponte coberta pela neve. Olhamos ao redor e vimos uma cidade inteira repleta de cores e objetos natalinos. Alcaçuzes, presentes, brinquedos, enfeites... Eles estavam por todas as partes, nas ruas, nos telhados, nas portas e janelas das casas... Era maravilhoso. Muito embora nevasse ali, não fazia muito frio, a aura alegre da cidade nos esquentava por dentro, um calor tão aconchegante que, se pudesse, viveria lá para sempre.

Papai Noel nos levou para conhecer toda a cidade, desde as casas dos duendes até os lojas de presentes. Mas enfim, ele nos apresentou ao nosso verdadeiro objetivo – a Fábrica de Brinquedos -, o lugar que costumava ser utilizado para a fabricação dos brinquedos natalinos e que tinha, recentemente, sido tomado por alguma entidade maligna que deu aos brinquedos vida própria e forçou-os a se rebelarem contra os duendes e contra a cidade inteira. Dessa forma, a fábrica foi abandonada e não era utilizada desde então, o que era uma preocupação visto que o Natal chegaria em breve e eles precisavam continuar a produção de brinquedos para atender a demanda de Rune-Midgard.

- E o que vocês fizeram então?!
- Eu realmente preciso dizer?

Entramos. O lugar não parecia menos característico que o resto da cidade, o chão era divido em quadrados com ilustrações de renas e duendes, pilhas enormes de presentes erguiam-se ao nosso redor, máquinas fora de funcionamento podiam ser vistas próximas às pilhas, e não havia sinal de nenhum perigo iminente, salvo talvez a sensação em meu peito que dizia que alguma coisa estava errada. De fato, a sensação de calor tinha se varrido como se levada pelo vento, no seu lugar, um tipo de frio dominou meu coração, uma aura negra e repulsiva parecia dominar aquele lugar.

Foi então que nós finalmente encontramos o inimigo, a fonte de todo aquele mal. Um monstro com mais de três metros de altura, um corpo humanóide feito de gelo, duro como rocha. No braço direito carregava uma lança, que mais lembrava uma estalactite gigante, no esquerdo, um escudo marrom extremamente resistente. Uma capa vermelha agitava-se presa ao seu pescoço, sua face era um paradoxo horripilante, os dentes assustadoramente amarelados em descompasso ao nariz de palhaço acima de boca, e, para completar, dois chifres irregulares brotavam de sua cabeça em direção aos céus.

Ele nos observou com interesse, seus pequenos olhos demoníacos focados no nosso grupo, qualquer movimento em falso poderia resultar numa morte fatal. Àquela altura eu já não pensava, apenas seguia meus instintos, e eles me diziam para atacar com fervor. Minhas mãos suavam dentro das luvas, eu segurava a espada de tal forma que ela mais parecia uma extensão do meu corpo, me sentia livre o bastante para fazer qualquer coisa com ela, como se fosse invencível. O monstro, no entanto, não parecia menos confiante, e eu podia sentir o medo dos meus companheiros impregnando o ar. Não é que eu não estivesse com medo, mas acho que a adrenalina daquele momento superava qualquer outro sentimento adjacente.

Os segundos passavam como horas, mas foi numa fração deles que tudo aconteceu. Não me lembro direito da batalha, mal tive tempo de assimilar o que se passava. Lembro-me de defender golpes por puro reflexo, e contra-atacar de forma similar. Lembro-me dos ruídos da fera, das suas estocadas furiosas, dos meus próprios gritos em resposta... Lembro-me de um dos meus amigos caindo no chão, sem vida, a lança de gelo atravessando-lhe o estômago. Por fim, lembro-me do monstro derrotado, pedaços da sua capa espalhados pelo chão, sua arma atirada ao longe, seu escudo rachado ao meio... Nós vencemos afinal.

- Pai! Isso foi incrível! Quero dizer, fora a parte do seu companheiro assassinado...
- Não se preocupe com isso filha, são águas passadas, e não é nada comparado às muitas outras perdas que eu já sofri na minha vida.

A garota virou os olhos, mirando o chão de pedra, supondo que a perda a qual o pai se referia era a de sua mãe. Maximilliam percebeu a inquietude da filha e logo mudou de assunto.

- Hum hum – pigarreou – tudo isso para explicar a origem disto... – ele fez então outro sinal para o criado, que já aguardava ao lado da porta há um tempo, segurando um objeto pequeno, retangular, que mais lembrava uma caixa.
- Então essa é a tal caixa...
- Sim. Ela é chamada de Caixa Velha Azul. Eu a ganhei daquele mesmo homem que me levou a Lutie, como forma de agradecimento por ter salvado a Fábrica de Brinquedos.
- Ah, entendi! É um nome bastante... original – ironizou ela, com um sorrisinho no rosto.
- Vamos dizer que o povo da antiguidade não tinha muita criatividade para nomes. Mas isso não importa, o que realmente nos interessa é o conteúdo...
- E o quê tem dentro dela, afinal?
- Isso é... uma ótima pergunta. Uma pergunta que, infelizmente, não poderá ser respondida tão cedo.
- Como assim pai? Você disse que é um tesouro raríssimo, mas não sabe o que tem dentro?
- Exatamente, é isso que faz dela um item tão raro. Essas caixas são mágicas.
- Mágicas? O que quer dizer?
- Quero dizer que elas estão além da compreensão. O item dentro delas permanece um mistério, só é criado no exato momento em que a caixa é aberta. Dessa forma, a caixa pode conter qualquer coisa, grande ou pequena, valiosa ou desprezível...
- Que caixa estranha... – Ruby constatou, avaliando as proporções retangulares do objeto na mão do pai. Podia jurar que não se passava de uma caixa comum, a tinta azul desgastada pelo tempo, as dobradiças levemente enferrujadas...
- Esse é o meu presente para você, minha filha. Desde que a ganhei estive esperando por uma ocasião especial para abri-la, e quero que ela seja sua agora.
- Eu devo abri-la então?
- Sim. Mas não agora. Alguns acreditam que a magia da caixa vai muito além da mera criação do item, é como se elas tivessem vontade própria. Por isso, dizem que a caixa só deve ser aberta numa situação de extrema necessidade, para que, dessa forma, o item criado venha a ser útil.
- Ok papai, como quiser – ela aceitou grata, ainda que não tivesse captado perfeitamente os segredos da estranha caixa – Então eu acho que chegou a hora...
- Suponho que sim. Não pensei que este momento fosse chegar tão cedo...
- Pai, não chore – ela beijou a face do pai, tão carinhosamente que as lágrimas recém formadas secaram sem protestar – Eu te amo - E essa foi a última vez que ele viu seus lindos olhos cintilantes, pois uma vez que ela se desvencilhou do abraço, seus cabelos agitaram-se ao ar, e ela deixou a sala rapidamente, como se fosse doloroso demais continuar a despedida.

- Filha, espere! – Mas era tarde demais, Ruby escutou o chamado de seu pai, mas preferiu continuar correndo, não queria deixar as coisas ainda mais difíceis para os dois.

Virou o corredor e desceu a escadaria que ia de encontro ao enorme hall de entrada. Seus passos no chão de pedra ecoavam por todo o castelo Stronghold, mas não como de costume. Não eram passos desconcertados como os que ela dava nas suas brincadeiras pelo castelo, ou passos delicados, como que se escondendo do pai por ter feito algo de errado; Ruby corria na dissonância da sua despedida , com passos nostálgicos, carregados das memórias que permutavam aquele salão, aquele castelo, e aquela cidade inteira. Toda sua vida transcrita naquelas paredes de rocha sólida, no chão de granito meticulosamente lustrado, nas janelas equidistantemente dispostas... E ela continuou correndo, alcançando enfim os portões principais, aqueles enormes portões de madeira reforçada com aros de aço, portões que selavam grande parte da sua vida, que delimitavam a extensão dos seus conhecimentos, da sua liberdade. 

Portões estes que agora se abriam abruptamente, revelando um mundo novo, um mundo que sorria para ela, pronto para ser explorado...

Ruby vislumbrou mais uma vez a imponente morada de sua família, nunca tinha notado o quão grande o castelo era. Vislumbrou a torre oeste, a janela do quarto de seu pai. Sorriu satisfeita para o sol que já se escondia atrás das muralhas de Izlude...

“Você vai ver pai, eu vou me tornar a melhor cavaleira de Rune-Midgard, e a maior Rainha que Izlude já viu!” – gritou para os pássaros, que responderam com pios de exatidão. Desafiou o céu, as nuvens e o vento que brincava com seus cabelos, fincando com vigor a espada no solo de terra batida; aquele era o começo da jornada que mudaria sua vida para sempre...

۞

O flashback terminou subitamente, e a garota se viu caminhando através das árvores. O cenário envolta pouco tinha mudado, talvez exceto pela quantidade de árvores, que aumentou consideravelmente, formando uma trilha irregular. Aquilo não parecia bom, era suposto que a estrada para Prontera fosse enorme, bem visível e até movimentada... Ela estava perdida.

Pensou novamente na vida que deixava para trás. As ondas que quebravam no cais de Izlude, no cheiro do oceano que impregnava suas roupas, no barulho das gaivotas que sobrevoavam suas janelas, tudo isso era passado agora. O povo de Izlude nunca foi muito com simpático com ela, alguns tinham inveja das suas incríveis habilidades com a espada, outros, da sua imensa fortuna e vida aparentemente fácil. Bem ou mal, não estavam de todo errados. A garota nunca se mostrou prestativa, disposta a ajudar o povo, muito menos mostrava interesse pelos problemas políticos da cidade, deixando tudo nas mãos de seu pai.

- “Chega de me prender ao passado. Preciso continuar em frente!” – e assim ela seguiu seu curso, deixando os fantasmas do passado para trás, buscando a tão almejada rota para a cidade de Prontera.

۞

Entendo – concluiu, pousando o Éader na mesa de carvalho, a planta ao seu lado resmungou, incomodada pela luz proveniente do objeto – Se isso tudo é verdade, creio que temos um problema nas mãos. De qualquer forma, saiba que seu segredo está seguro comigo.

Lucian fez que sim com a cabeça e se dirigiu para a saída, carregando o livro de Frogger nas mãos. A volta da câmara do alquimista foi inquieta, visto que o mago optou por revelar seus segredos para os outros dois, incluindo o estranho sonho que tivera pela manhã.

Eros também permaneceu em silêncio, observando os dois. Sua mente estava confusa, jamais tinha se envolvido numa situação tão complicada antes, o fato de conhecer um mago pessoalmente já era incomum para ele, quem diria então envolver-se numa busca secreta com o mesmo.

- Vá então, Lucian Arkan. Que Freya ilumine seu caminho, bem como o fez para sua mãe.
- Foi uma honra – disse Lucian, encarando os olhos castanhos de Frogger com uma seriedade imponente, mas não era arrogante, pelo contrário, as poucas horas que passaram juntos foram suficientes para despertar nele uma enorme admiração pelo alquimista – Agradeço por tudo, principalmente pelo livro.
- Não foi nada. Espero que nos encontremos novamente, ainda temos muito que falar, tanto sobre o passado quanto sobre o futuro... – respondeu o alquimista, mirando o mago da mesma forma.
- Obrigado Frogger, eu... Até mais – soltou Eros, ainda confuso.
- Disponha garoto – voltou-se para o noviço, com um sorriso acolhedor.

E a porta fechou-se atrás deles. O homem continuou murmurando palavras inaudíveis na parte de dentro, provavelmente trocando vocábulos com a planta rabugenta numa tentativa de organizar seus próprios pensamentos.

- E agora? O que você pretende fazer?
- Não sei. As coisas ainda não estão claras para mim, preciso descobrir mais sobre meu passado... e essa é a chave – Lucian indicou o livro que carregava junto ao corpo.
- De um jeito ou de outro, precisamos encontrar algum lugar para você ficar. A catedral está... hum... lotada . Talvez na estalagem...
- Você não vai dizer nada? – interrompeu o garoto de cabelos prateados.
- Como assim? – Eros pousou seus grandes olhos verdes no companheiro.
- Não vai me perguntar por que omiti tudo aquilo de você, por que não falei nada sobre meu passado ou sobre a minha busca?
- Não. – respondeu de imediato - Isso só diz respeito a você, portanto, cabe a você contar ou não. 

Antes mesmo que Lucian pudesse manifestar sua surpresa acerca da atitude inusitada do companheiro, uma voz esganiçada soou nos seus ouvidos.

- Tio Eros! Socorro! – exclamou a garota que vinha correndo, fazendo uma pausa para respirar – São os – respirou novamente – ...os meninos!
 

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