Capítulo 03: A Face de um Anjo
A melodia suave acompanhava os dois. Suas pegadas na terra batida podiam ser vistas ao longe, como se viessem caminhando de um lugar muito distante.
O da direita parecia calmo e descontraído, admirava a vista enquanto tocava seu estranho instrumento; o da esquerda - mais tenso - trazia consigo uma espada presa ao cinto, envolta por uma bainha. A armadura prateada que cobria seu tronco e suas pernas, mesmo que pesada, não produzia efeitos no jovem cavaleiro, que ostentava sempre a postura ereta e impecável.
Muito embora tão diferentes, aqueles dois pareciam de certa forma unidos, como se aquele simples caminhar sucessivo e rítmico estabelecesse entre eles um ligação. De fato, aqueles dois eram muito mais que companheiros, eram melhores amigos, verdadeiros irmãos; ainda que insistissem em não demonstrar de imediato.
Seguindo as instruções de Karen, os dois chegavam agora à entrada do famoso monte Mjolnir, com o intuito de atravessá-lo, atingindo então a cidade de Prontera, local que – segundo a bruxa –, seria o destino mais provável de Lucian, o sobrinho que fugira de Geffen na noite anterior.
♪... Sempre avante vamos seguindo
Com pés descalços e peso no coração
Estrada à frente, o mundo surgindo
Lembro-me até de outra canção
Os dias são tristes, as noites piores
Sob a luz do luar escondemos segredos
Cantamos odes por dias melhores
Já esquecemos também dos nossos medos
Corta a espada, racha o escudo
Começa e termina a beleza, o estudo
Sempre avante vamos seguindo
Estrada à frente, o mundo surgindo ...♫
Com pés descalços e peso no coração
Estrada à frente, o mundo surgindo
Lembro-me até de outra canção
Os dias são tristes, as noites piores
Sob a luz do luar escondemos segredos
Cantamos odes por dias melhores
Já esquecemos também dos nossos medos
Corta a espada, racha o escudo
Começa e termina a beleza, o estudo
Sempre avante vamos seguindo
Estrada à frente, o mundo surgindo ...♫
- Pelo amor de Freya, Liran, pare essa maldita cantoria! – bradou Aron, quebrando o silêncio que pairava entre os dois.
- Parece que alguém está de mau-humor – retrucou o bardo sarcasticamente, ainda tocando seu instrumento.
- Liran, não comece...
- Shh!
- O que é agora?
- Estou tentando chamar os monstros que vivem no monte!
- Você está brincando, não é?
Liran não respondeu, seguiu agitando seus dedos com habilidade sobre as cordas do alaúde. De fato, o bardo não parecia estar brincando.
A música já fluía suave há alguns minutos, e, agora que chegavam ao vale, diversos monstros curiosos surgiram, quase que hipnotizados pelo som agradável e acolhedor. Não demorou muito para que um Yoyo pulasse de uma árvore próxima, pousando alegre no ombro de Liran.
- Viu só? – Liran dirigiu-se convencido ao colega.
- Ótimo, um macaco era tudo de que precisávamos. – retrucou Aron, com seu tradicional tom mau-humorado.
O pequeno Yoyo por sua vez pareceu ignorar a discussão dos dois homens e coçou sua cabeça, tentando entender porque a melodia bonita cessara.
- Ah sim! Vamos lá... – lembrou-se do bichinho – Querido amiguinho primata, por um acaso você viu um garoto estranho passando pelas redondezas ultimamente?
O Yoyo pareceu não compreender de imediato, ou, ao menos, não se mostrou apto a qualquer manifestação em resposta.
- Oh, mas é claro, como pude me esquecer... – balbuciou Liran novamente, como uma auto-crítica. O bardo então retirou das costas uma bolsa de couro na qual carregava suas coisas e remexendo no seu conteúdo, puxou uma banana.
- Kik, ik, kiiik, ki – grunhiu o macaquinho, descrevendo pequenos pulinhos no ombro de Liran, que indicavam cooperação.
- Calma, calma! Só depois que você me ajudar! – censurou Liran, como se proibisse uma criança de comer um doce.
- Ik, ik, kiik, kik, ki, kii, iik! Iki, kii, iik! - Mais uma resposta semelhante à primeira seguiu-se, mas dessa vez Liran mostrou-se satisfeito ao ouvi-la.
- Sim, sim! Capa prateada, com um cajado de madeira!
Aron assistia à cena, perplexo; levou a mão direita ao rosto, num gesto de total descontentamento: simplesmente não podia aceitar que seu único informante era um Yoyo selvagem, e, pior, aceitar que seu parceiro realmente levava tudo aquilo a sério.
O macaquinho aceitou com gosto seu prêmio e, enquanto descascava com vigor sua banana, concordou em levar Liran até o local em que vira o tal mago. Ainda que relutante, o cavaleiro decidiu seguir seu amigo.
O Yoyo conduziu os dois homens através da trilha confusa que cruzava a mata fechada. Não era a primeira vez que vinham ao monte Mjolnir, logo não se mostraram muito surpresos com o cenário.
Passados alguns minutos de caminhada, o Yoyo parou e apontou para alguma coisa perdida no meio da floresta. Aron e Liran se aproximaram, identificando o pequeno pedaço de tecido prateado que jazia caído em meio à folhagem.
- Fruto do trabalho das tecelãs de Geffen, fibra fina e leve – pontuou Aron, admirando o objeto como uma obra de arte.
- Coloração adicionada por meio de magia, dessa forma o prateado nunca perde o brilho – completou Liran, atentando também para o aspecto brilhante do tecido rasgado.
- Não restam dúvidas, Lucian esteve aqui...
Mas a atenção do companheiro já não estava mais voltada ao pedaço de seda.
- Aron... acho que o tecido é a menor das evidências... – Liran mirava perplexo a mata metros a frente, ou ao menos o que restara dela. Sem entender, Aron também virou-se, vislumbrando a floresta recém-queimada, mal sabiam eles que aquele tinha sido o cenário da batalha entre Lucian e as Argiopes. Novamente os companheiros trocaram olhares característicos, que simbolizavam bem seus pensamentos.
- Esse garoto vai dar muito trabalho.
- Sim, vai ser um tanto problemático. Temos que acelerar o passo e chegar a Prontera antes do pôr-do-sol, do contrário os portões da cidade se fecharão antes que possamos entrar...
- O que estamos esperando então? - suspirou Liran, e, seguido pelo cavaleiro e pelo Yoyo, começaram a percorrer o longo caminho em direção à Prontera...
❂۞❂
- Eros, eu já disse que não!
- Mas, padre Federic, ele também merece ser ajudado! – teimava o rapaz – Não é o senhor que vive dizendo que nós devemos nos dedicar a ajudar todos que pudermos?
- Sim meu filho, mas esse caso é diferente. Magos são perigosos, são pessoas misteriosas e estranhas... E o pior de tudo, Eros... – Neste momento o noviço chegou mais perto, atento às palavras de seu mentor – eles são hereges! Usuários de magia negra, pecadores! – exclamou o sacerdote num tom desaprovador.
Eros recuou inseguro, aparentemente desistindo de sua causa. O sacerdote Federic por sua vez viu-se o vitorioso da discussão, e logo esboçou um sorriso satisfeito na sua face magra e pálida. Arqueou os lábios, exibindo com gosto seus belos dentes brancos e enfileirados, exigindo calado a confiança de seu aprendiz.
Federic sabia que o que dissera não fazia sentido algum, mas se consolava com a idéia de que era tudo para o bem do próprio noviço, e não pretendia perder sequer uma noite de sono com problemas relacionados ao mundo exterior. Não, era melhor manter-se alienado, protegido; Federic previa que o mago que jazia descansando no quarto de Eros traria consigo uma onda de inquietação e suspeita, e era contra isso que ele lutava.
Sem mais argumentos, Eros saiu arrastando os pés, deprimido. Sempre ocorreu-lhe naturalmente ajudar aqueles que precisam, sejam eles quem forem, ele não conseguia entender porque as pessoas tinham tanto prazer em guerrear, lutar, matar... Tudo aquilo não fazia sentido para aquele jovem de 16 anos.
Lentamente, foi em direção ao seu quarto, pensando no que iria fazer a respeito do Mago que descansava deitado em sua cama. A luz que adentrava na igreja através dos enormes vitrais laterais coloria suas vestes e seu rosto. Bonitos tons de rosa, verde e azul refletidos das altas janelas projetavam-se no noviço, em contraste à figura deprimida. Eros logo avistou a porta que levava ao seu quarto e também ao garoto que nele descansava. Hesitou, respirou fundo e bufou baixo, pensando no que diria para aquele desconhecido...
❂۞❂
Frio e névoa.
Ele acordou num mundo confuso e distorcido, sombras se movimentavam por ali, absortas nos seus próprios pensamentos, ocupadas demais para prestar atenção no jovem imóvel. Por alguns segundos, foi dominado por uma sensação de desespero, porém, lentamente, ela cedeu lugar para um sentimento de inquietação.
Lucian olhou ao redor de si, não conseguiu enxergar nada familiar, tudo parecia tão pálido e sem vida. Onde estava afinal?
A névoa que bailava ao redor do mago começou dissipar-se lentamente. Passaram-se então alguns segundos de completa ansiedade, repletos de olhares tensos para o vazio e de movimentos randômicos com as mãos. Lucian costumava sempre estar no controle, e a ausência desse mesmo controle agora deixava-o profundamente nervoso e apreensivo. A cortina de fumaça agora se dissipava mais rapidamente, mas a velocidade não bastava para o mago confuso; ele buscava respostas, e as exigia de imediato.
A visão clareou, revelando ao menos um local familiar.
Lucian se encontrava parado em frente à Torre de Geffen; não sabia como nem por que, e realmente nem se importava com isso.
Nada daquilo fazia sentido. Aquela cidade era Geffen, disso ele sabia; mas aquela não era a Geffen que ele conhecia. A Geffen onde crescera e vivera sua vida toda não era assim; não, aquela Geffen parecia pálida, sombria, ameaçadora...
Lucian seguiu em frente com passos desconcertados e forçou com dificuldade o portão de ferro, repentinamente um arrepio percorreu-lhe a espinha: o metal estava frio como gelo.
Remexeu-se inquieto, resolveu deixar para lá, mas alguma coisa estava muito errada, podia sentir.
No momento seguinte o jovem mago viu-se parado em frente a uma porta. Outro arrepio. Aquela porta, aquela mesma porta... O brasão da família Arkan perfeitamente entalhado na superfície de madeira, as dobradiças envelhecidas, o cheiro de incenso que sua tia insistia em acender ainda que ninguém suportasse... Lucian conhecia aquele lugar. Estava dentro da Torre de Geffen, mas, como chegara lá em cima tão rapidamente?
Ignorou e seguiu em frente. Girando a maçaneta lentamente. Não ia lá há tanto tempo... Desde quando...
Lucian empurrou a porta sem saber direito o que lhe esperava, toda aquela situação era suspeita demais, mas ainda assim não podia deixar de se sentir nostálgico naquele lugar. As dobradiças castigadas pelo tempo protestaram, rangendo alto conforme o jovem mago revelava o quarto empoeirado. O cheiro de mofo agora se misturava a essência dos incensos. A passagem já estava suficientemente grande para que ele se precipitasse para dentro do cômodo, e foi o que ele fez... dando de cara com aquela figura.
- V...Você... N...Não pode ser...
As mãos de Lucian suavam absurdamente dentro das luvas; ele apertava o cajado com tamanha força que por pouco não o quebrava em pedaços. Respirava ofegante. Aqueles olhos assustadoramente vermelhos acompanhavam seus movimentos, calmos e impassíveis. Eram olhos que na indiferença provocavam o medo, olhos que sintetizavam a morte.
O homem não abriu a boca, aliás, sequer fez menção de se mover; não precisava. Apenas aquela figura trajada em vestes negras já era suficiente para invocar o mais profundo terror na mente de Lucian. Pouco a pouco, um sorriso sarcástico formou-se na face do desconhecido, ressaltando ainda mais sua aparência sádica e misteriosa. Ajeitando suavemente os cabelos negros que eventualmente corriam-lhe aos olhos, o homem simulou uma risada, uma risada tão assustadora e grotesca que era capaz de arrepiar até a mais ousada das criaturas.
Lucian não conseguia falar; tentou gritar, tentou até correr... mas não conseguiu. O homem por sua vez pareceu perceber a agonia do rapaz, pois não tardou em avançar lentamente, passo a passo, cada vez mais perto.
Seu coração palpitava intensamente, quase como se fosse lhe saltar do peito. Conhecia o homem, aquela roupa, aquele rosto... Como poderia se esquecer do assassino de sua irmã?
A figura maligna chegava mais perto, sem pressa, como se saboreasse aquele momento. Era tarde demais, ou ao menos parecia ser. O sujeito era alto, agora se encontrava parado bem em frente à figura paralisada de Lucian. Ainda sereno, o homem debruçou-se e sussurrou no ouvido do mago:
- Morroc foi o início de tudo, e também será o fim. Aquele que foi jurado de morte retornará do túmulo selado, trazendo consigo a promessa de um Novo Mundo. Das cinzas de Rune-Midgard ascenderá o verdadeiro Mestre. A Luz e as Trevas são meros pontos de vista. Reúna os herdeiros de Asgard, venha até mim, e terá a sua vingança.
A realidade em volta de si sucumbiu. Lucian despiu-se do véu imaginário, dando espaço para mais um momento de plena confusão, como se alguém abrisse as cortinas e deixasse entrar a luz de um novo dia. O quarto sumira, o homem sumira, mas Lucian jamais se esqueceria daquelas últimas palavras: ...e terá a sua vingança.
❂۞❂
Acordou do sonho, sua cabeça doía, bem como o resto do corpo.
Tentou se levantar, mas o esforço foi em vão e a única coisa que conseguiu foi sentir ainda mais dor. Aquilo não fazia sentido, pensava estar morto, mas como poderia então sentir dor? Deixou a razão falar mais alto concluiu que não podia estar morto. Mas então, onde estava? Como escapara dos Argos?
Memórias embaralhadas percorriam sua mente, num turbilhão de lembranças que nada fazia sequer aumentar ainda mais a enxaqueca do jovem mago. O encontro com o homem sombrio na Torre de Geffen de fato acontecera?
Instintivamente tentou abrir os olhos. Conseguiu. Ou não.
Não tinha certeza, tudo envolta estava escuro. Virou a cabeça com dificuldade, procurando qualquer sinal de respostas para suas muitas perguntas. Não achou nenhuma, no entanto, atentou para a claridade que parecia vir de fora do quarto, passando pelo vão embaixo da porta. Não demorou muito, e a mesma se abriu.
Lucian se remexeu desconfortável na cama, a luminosidade adentrava sem hesitar no quarto escuro, judiando de suas pupilas já acostumadas ao ambiente. Com dificuldade, pode distinguir uma turva sombra entrando pelo portal.
Eros fechou a porta atrás de si e acendeu o lampião que descansava na pequena mesa de madeira, mas quase o deixou cair de susto, quando percebeu o mago de olhos bem abertos, observando-o confuso.
- V...Você... é o anjo! – balbuciou Lucian, sem raciocinar. Uma das poucas lembranças que permanecia forte em sua mente era a face do garoto, muito embora não soubesse se aquilo era realmente real.
Eros não respondeu. Mesmo abatido ele mantinha uma expressão calma e acolhedora.
- Quero dizer – recomeçou, organizando as idéias – eu me lembro do seu rosto...
Lucian analisou o garoto à sua frente. Um pouco menor que ele, vestia uma bata branca com poucos detalhes em cinza, presa por um belo broche dourado na altura do pescoço. O que mais chamava atenção no menino eram seus grandes e brilhantes olhos verdes, somados aos cuidadosamente penteados cabelos dourados que brilhavam à luz do lampião.
- Sim, quando eu te encontrei você ainda estava consciente... – respondeu o noviço com um sorriso desconcertado estampado na face.
- Me encontrou? – questionou Lucian fazendo força para sentar-se na cama. Sentiu várias dores pelo seu corpo, mas em especial uma pontada forte em seu peito fez com que ele recuasse.
Receoso, levou a mão esquerda até o peito dormente, percebendo então que estava sem camisa. O noviço observava a cena.
- Não se esforce muito, ainda não terminei de curar todas suas feridas – advertiu ele - principalmente essa aí – Eros apontava para o peitoral do rapaz, onde marcas de uma ferida recente ainda podiam ser vistas.
- Mas o que aconteceu comigo afinal? – indagou Lucian sem entender direito a situação.
- Receio que não tenha muita certeza. Eu saí para coletar alguns Sangues Escarlates para uns amigos meus lá da Ferraria, e todo mundo sabe que o melhor lugar para conseguir alguns destes é na entrada do Monte Mjolnir – Lucian se esforçava para acompanhar o ritmo do garoto – aliás, você sabe o que são os Sangues Escarlates? – mas ele não esperou resposta e continuou – São belas gemas que se formam dentro dos Cogumelos Vermelhos, basta abrir o cogumelo e pronto!
Lucian não respondeu, ostentava um olhar aturdido; era muita informação para seu cérebro naquele momento.
Percebendo a confusão do outro, Eros resolveu ir direto ao ponto, apresentando-se antes de tudo.
- Prazer, sou Eros. Eros Holith – mais um sorriso acolhedor formava-se no rosto do noviço.
- Eros... Prazer – escolheu com cuidado suas palavras, não queria parecer rude, muito menos com seu aparente salvador. – Mas como EXATAMENTE você me encontrou?
- Ah sim, eu já estava chegando lá... Como eu dizia, eu fui coletar alguns Sangues Escarlates e quando cheguei à entrada do Monte vi uma fumaça estranha vindo da floresta. Corri para lá o mais rápido que pude na esperança de ajudar quaisquer monstros feridos, no entanto, antes que pudesse chegar à origem do fogo, achei você.
- “Hmm, acho que faz sentido.” – Lucian forçava seu raciocínio, calculando mentalmente as distâncias - “Supondo é claro que eu tenha rolado desfiladeiro abaixo. Bom, isso explicaria todos esses hematomas.”
- Então, se você me encontrou lá... Isso quer dizer que estamos em Prontera? – questionou uma vez que concluíra seus cálculos.
- Sim. – confirmou - Mais precisamente na Catedral de Prontera, guilda dos noviços e sacerdotes de toda Rune-Midgard. – adicionou com um tom orgulhoso na voz.
- Entendo...
Como Lucian não disse mais nada Eros resolveu continuar:
- A propósito, qual o seu nome?
- Ah... É Lucian Arkan...
- Arkan? Acho que já ouvi esse no...
- Não, acho que não. Você deve estar enganado – interrompeu o mago rispidamente, arrependendo-se de ter revelado sua verdadeira identidade, afinal, para todos os efeitos, era um fugitivo de Geffen, e conhecendo sua tia como ele conhecia, tinha certeza que a notícia de sua fuga já havia sido espalhada nas principais cidades do reino.
- Sabe, quando eu te encontrei você estava à beira da morte. Seu Anjo da Guarda deve ser muito poderoso, afinal, encontrar logo com um Noviço numa situação dessas!
- Anjo da Guarda? – respondeu Lucian num tom irônico – Não acredito nessas fantasias.
Eros pensou em repreender o garoto pela sua afirmação pagã, mas constatou que seria imprudente. Padre Federic parecia ter razão, magos eram de fato pessoas esquisitas.
Lucian por sua vez percebeu que tinha ido longe demais, conhecia bem a força que a religião exercia na vida daquelas pessoas, e foi insensato dizer uma coisa daquelas para alguém tão gentil como o noviço.
- Quer dizer, prefiro acreditar nas minhas próprias habilidades... – tentou concertar, mas não deu muito certo.
- Entendo... – respondeu o noviço evasivo.
- Bem, receio que devo partir. – lançou, sem mais nem menos. O garoto fez um enorme esforço e se levantou, percebendo então que também não tinha calças vestidas, apenas sua roupa de baixo.
- Ah, me desculpe. Tive que tirar a sua roupa para tratar dos ferimentos... Você conseguiu se machucar por todo corpo.
Eros entregou as roupas e a túnica para o jovem mago, que as colocou com dificuldade.
- Obrigado – disse ele quando finalmente conseguiu terminar de se vestir. Mas então um pensamento tomou conta de sua mente: Onde estava seu cajado?!
- Imagino que esteja procurando isso – disse o noviço captando a preocupação que o rosto de Lucian evidenciava. Então, abrindo o pequeno armário que ficava ao lado da cama, revelou o curto cajado de madeira cuidadosamente posicionado. – Por sorte eu o achei jogado um pouco mais adiante, emitindo uma luz forte, como se estivesse te procurando... – adicionou meio inseguro daquelas palavras.
- Compreendo. Muito obrigado... – disse Lucian, e ainda completou, engolindo o orgulho – Provavelmente estaria morto agora se não fosse por você...
- Ah não foi nada! É meu prazer poder ajudar aqueles que precisam! – respondeu Eros imediatamente.
- Bom, agora eu estou em dívida com você. Qualquer coisa que você precisar, pode contar com a minha ajuda. – explicou o mago, sempre priorizando questões de honra.
- Em dívida? Não entendo o que você quer dizer... – retrucou Eros – No entanto... Se você quer fazer alguma coisa por mim... Que tal uma caminhada pela cidade? – sugeriu com mais um sorriso encantador, como uma criança que pede ansiosamente por um brinquedo aos seus pais.
- P...Passeio? – repetiu Lucian desconcertado – Você acha que podemos ficar quites com apenas um passeio por Prontera?
- Bom você disse que gostaria de fazer alguma coisa em troca, e, no caso, é isso que me deixaria mais contente, adoro o fim de tarde na cidade. – retrucou entusiasmado.
- “Esse cara é estranho, mas não possui más intenções...”
- Ok, se é isso que você deseja... – aderiu meio inseguro.
- “Mas que menino diferente... quem não gosta de um passeio pela cidade?” - pensou Eros também olhando o jovem mago com um ar crítico. - “Sem falar nessas roupas esquisitas...”
- Vamos lá então! – exclamou dirigindo-se para a porta. – Ah sim, antes de qualquer coisa temos que terminar o que eu comecei! – lembrou-se virando a cabeça em direção ao mago.
- Terminar...? – indagou Lucian.
- Sim! Deite-se aí! – pediu o noviço. O mago aceitou desconfiado.
Eros mantinha as duas palmas das mãos voltadas para o peito do garoto, em questão de segundos uma forte luz verde surgiu no peitoral de Lucian:
- Curar! – exclamou Eros.
- E então? Como se sente?
Lucian não conseguia acreditar, sentia-se muito melhor do que antes, mal podia sentir a forte dor no peito que sentia segundos atrás.
- Mas então... Por que você não tinha feito isso antes? – indagou incrédulo.
- Na verdade, eu já havia feito três vezes. Gastei todas as minhas energias para mantê-lo vivo e depois deixei você descansando aqui enquanto me recuperava... – revelou Eros - Normalmente eu teria pedido a um dos sacerdotes para curar você, mas eles... Bom, eles estavam ocupados. – ocultando o fato de que nenhum sacerdote se disponibilizou a tratar de um mago desconhecido.
- Hmm... Obrigado... – Lucian agora estava intrigado. Até então não conhecia nenhuma forma tão peculiar de magia, jamais tinha tido contato com uma energia como essa. Como mago, sua capacidade de sentir o fluxo energético das pessoas era extremamente aguçada, mas ao invés de captar uma afinidade a determinado elemento da natureza – como era comum entre os magos – Lucian captou algo diferente, uma energia que não se assemelhava ao Fogo, à Água, ao Ar e nem à Terra; era uma força brilhante, divina. Uma força de pura Luz.
- Já disse que não precisa agradecer! Agora que se sente melhor, que tal irmos? – respondeu Eros, pouco ligando para o olhar intrigado do mago que permanecia focado nele.
Os dois caminharam até a saída da grande igreja. Olhos desconfiados acompanhavam Lucian a cada vez que eles cruzavam com os muitos sacerdotes e noviços do local, alguns até murmuravam coisas, na sua maioria palavras como “pecador” ou “herege”; mas o mago procurava ignorar e apenas continuar caminhando de nariz empinado, como era de seu feitio.
Chegando finalmente do lado de fora, Lucian olhou para trás, vislumbrando - pela primeira vez e talvez também pela última - a imponente catedral de Prontera. O sol das três da tarde iluminava a igreja parcialmente, dando um tom celestial à construção. O jovem mago observou também o pequeno cemitério que ficava a poucos metros dali, com grandes lápides de pessoas importantes que já viveram e morreram na capital de Prontera.
Mesmo sabendo que a catedral representava um marco para toda Rune-Midgard, Lucian não sentia apreço sentimental algum pelo edifício. Admirava muito a estrutura da construção, os belos vitrais coloridos e as duas torres perfeitamente projetadas cada qual de um lado da igreja; suas paredes desgastadas que um dia já foram brancas, o enorme sino que se movia periodicamente badalando, conforme a vontade do homem que o conduzia, na torre mais alta... Em suma, era uma verdadeira arte do ponto de vista arquitetônico e sem dúvida um edifício memorável na história da civilização humana.
No entanto, nada daquilo remetia qualquer sensação de felicidade ou alívio para o mago, que sempre considerou a religião uma verdadeira perda de tempo; uma espécie de política que apenas faz controlar a massa da população crente e ignorante e manipulá-la para seus objetivos muitas vezes pessoais e hipócritas.
Uma opinião extrema e talvez até precipitada? Talvez, mas ele não mostrava interesse algum em reformulá-la. Não. Os magos de Geffen eram instruídos desde muito pequenos a respeito de suas crenças, eles seguiam exclusivamente a cultura deixada pelos elfos, uma cultura que pregava a existência de diversos deuses e da relação íntima dos mesmos com a Natureza.
- Algum problema Lucian? – Eros percebeu a distração do companheiro.
- Não, não é nada... – respondeu Lucian desviando o olhar da enorme catedral e mirando o caminho de pedras brancas à sua frente.
Mago e noviço continuaram a caminhar pela cidade, seguindo para o grande portão Sul. Eros insistiu em levar o garoto até o outro extremo da capital, para mostrar-lhe tudo que se tinha para ser visto na vasta Prontera.
Lucian e Eros já se aproximavam mais do centro da cidade e o movimento nas ruas ia aumentando de forma impressionante. A quantidade de pessoas era tamanha que, se vista de cima, a rua principal lembrava um formigueiro repleto de pequenas e desordenadas formigas, correndo de um lado para o outro e cobrindo quase que completamente o solo de pedras brancas.
O jovem feiticeiro se esforçava para acompanhar o ritmo entusiasmado de Eros, que caminhava em meio às pessoas com muita disposição, cumprimentando quase todos que via e indicando vários lugares com o dedo.
- ...E aquela é a Ferraria, ali a Estalagem. Do outro lado a Loja de Armas e...
O mago ficou muito impressionado com tudo aquilo, era comum ver uma grande quantidade de mercadores nas feiras de Geffen, no entanto, a proporção com a qual eles iam e vinham em Prontera era assustadoramente maior.
Comerciantes disputavam o pouco espaço da calçada para montar suas lojas e quiosques, aprendizes passavam correndo como raios entre as muitas outras pessoas que caminhavam pela rua. Lucian encolheu a cabeça escondendo-se ao ver passar dois magos de Geffen que conversavam com uma arqueira de cabelos loiros e até mesmo uma bruxa da escola de magia pôde ser vista adquirindo materiais bizarros numa loja de alquimia.
Desviando do mar de pessoas, os dois conseguiram chegar até a praça central da cidade, que embora também fosse muito movimentada era bem maior: naquele ponto a calçada se abria de tal forma que os tijolos brancos englobavam todo o coração de Prontera, possibilitando uma maior evasão de todas aquelas pessoas.
Lucian observou maravilhado a fonte construída no centro da praça, cercada por bancos. Quatro pilares de concreto moldados de forma triangular compunham a estrutura, voltados respectivamente para o Norte, Sul, Leste e Oeste. A água cristalina jorrava em abundância , e, assim como na catedral, o efeito luminoso dos raios solares fazia a água brilhar cintilante, desenhando curtos arco-íris no céu, que iam e vinham conforme os jatos de água bailavam no ar.
- É linda não é? – suspirou Eros percebendo a admiração do amigo.
- Com certeza... – respondeu Lucian.
Nesse mesmo momento, três aprendizes chegaram correndo e cercaram o noviço. Lucian não entendeu nada, mas logo percebeu que eles se conheciam.
- Tio Eros, tio Eros! – exclamava uma menininha de cabelos roxos e curtos que aparentava ter uns oito anos de idade. – Por favor, faz aquilo para gente, faz!
- É tio Eros, por favor! - adicionaram os outros dois meninos de cabelos castanhos, com cara de coitadinhos.
- Está bem, está bem! - rendeu-se Eros – Mas tomem cuidado viu!
- Sim senhor! – responderam os três em uníssono.
Eros juntou as palmas das mãos e concentrou-se. Mais uma vez Lucian pode sentir o fluxo de energia luminosa pairando ao redor do noviço. Com as mãos agora apontadas para as três crianças, Eros exclamou:
- Aumentar Agilidade!
A energia luminosa pareceu direcionada então para os três aprendizes, rodopiando veloz em torno de cada um deles.
- Obrigado tio Eros! – agradeceu a menina correndo envolta dos dois adolescentes numa velocidade impressionante. Aparentemente o feitiço de Eros ampliava a velocidade de movimento do alvo.
- É, agora aqueles Porings não vão ter chance! – adicionou um dos garotos pulando, igualmente rápido.
- Tudo bem tudo bem – começou Eros gesticulando com as mãos num sinal de paciência – Mas lembrem-se, fiquem longe dos Poporings, eles podem parecer Porings inofensivos, mas são muito fortes! – advertiu.
- Sim tio Eros, nós sabemos! – respondeu o terceiro garoto fechando a cara – Os Porings são rosas, Poporings são verdes, Drops são beges e... qual era o outro mesmo? – perguntou o garoto com um dos dedos nos lábios em sinal de confusão.
- Bom, existem muitos outros... – Lucian entrou na conversa com um ar de intelectual – mas creio que você se referia aos Marins, que são azuis.
- É isso mesmo! – disse o garoto acenando positivamente. – O senhor também é muito esperto não é? – completou olhando interrogativamente para Lucian.
Lucian apenas olhou para o lado, encabulado.
- Hahahá, ele tá vermelho – caçoou a garotinha de cabelos roxos.
- Bom, acho que já deu de brincadeiras não é? – exclamou Eros repreensivo – Além do mais, se continuarem perdendo tempo aqui o efeito da Agilidade vai passar, e eu não vou estar lá para ajudá-los novamente! – adicionou mesmo sabendo que correria até eles assim que precisassem – Agora vão, eu e o tio Lucian temos muito o que fazer.
- Obrigado tio Eros e tio Lucian! – gritaram os três olhando para os garotos mais velhos, e saíram em seguida, disparando em direção ao portão Sul da cidade.
- Tio Lucian? – perguntou o mago mal-humorado.
- Ahaha, você tem cara de tio Lucian – brincou o noviço como sempre sorridente.
Os dois garotos continuaram avançando sentido sul, parando de vez em quando nos momentos em que Eros queria mostrar coisas legais para o mago.
Lucian estava muito surpreso com a cidade, nunca imaginara que houvessem tantas coisas interessantes além das fronteiras da misteriosa Geffen. No entanto, não conseguia deixar de pensar no estranho sonho que tivera mais cedo. Quem eram os herdeiros de Asgard? Ele precisava saber de qualquer maneira...
- Eros – chamou o mago, e o noviço por sua vez aproximou-se.
- Sim?
- Você por um acaso... – hesitou, ponderando se era a coisa correta a fazer; concluiu que não tinha outra opção – já ouviu falar nos herdeiros de Asgard?
- Herdeiros de Asgard? – repetiu Eros, pensativo – Por acaso são algum grupo musical?
As esperanças de Lucian caíram por terra, e antes mesmo que ele pudesse responder dizendo que não era nada importante, o noviço continuou:
- Bom, se você quiser realmente saber, conheço alguém que deve ter a resposta...
Nesse momento a atenção de Lucian se viu instigada mais uma vez, e ele não demorou em demonstrar.
- Mas é claro! E quem seria essa pessoa?
- Ele é... Bom, você vai ver.
Eros simulou uma pequena risadinha e acenou com a mão, pedindo para que Lucian o seguisse. O garoto foi, ainda que ligeiramente confuso.
Eros conduzia Lucian através das casas da cidade, penetrando em ruas cada vez mais estreitas e menos movimentadas, até que os dois se viram parados em frente à uma construção um tanto peculiar, oculta em meio à um conjunto de várias casas na parte Leste da cidade.
A casa na verdade não se diferenciava muito das outras ao redor. Paredes pintadas de marrom escuro, telhado vinho, dois andares e um pequeno jardim na entrada, dando acesso à porta da frente.
Mas o que realmente chamava a atenção nela e a distinguia das outras ao redor era a enorme quantidade de esquisitices que lá existiam. No telhado, vários aparelhos estranhos grudavam-se as telhas, alguns com ponteiros que rodopiavam conforme o vento, outros com aros que giravam em sintonia e produziam ruídos estranhos; no parapeito das janelas, plantas peculiares disputavam espaço com teias de aranha. Lucian pensou inclusive ter visto um dos estranhos vegetais se alimentar de um inseto que caminhava por perto, mas rezou para que fosse apenas uma ilusão. Além do mais, no jardim de grama mal cuidada que cobria a fachada da residência, foram postas esculturas de cerâmica das mais bizarras, com olhos, garras e dentes, que nada faziam sequer assustar quaisquer visitantes.
- Você tem certeza que esse é o lugar certo? – hesitou Lucian, contemplando aquela casa maluca e imaginando como seria então a parte interior.
- Sim, sem dúvidas. – respondeu Eros, que não parecia nem um pouco surpreso.
O noviço então caminhou em direção à porta, pisando cuidadosamente na trilha de pedras pretas mal posicionadas, ainda que não houvesse muito sentido em privar a grama mal cuidada de outras aflições. Chegando lá, fez soar a campainha, que na verdade consistia num objeto dourado de forma triangular fixo à porta por uma dobradiça. Eros puxou o triângulo de ouro e soltou-o, produzindo um som forte e abafado. Lucian resolveu seguir o noviço e caminhou também até a entrada da casa.
Longos cinco minutos se passaram sem nenhuma resposta, e quando os dois garotos já se preparavam para ir embora, um grito de resposta veio de dentro da casa.
- Só um momento! Já vou, já vou!
Lucian e Eros se entreolharam ao escutar o som do que pareciam ser diversas trancas sendo abertas do lado de dentro da porta. Por fim, uma pequena fresta foi aberta, revelando metade da face de um homem de óculos.
- Pois não?
O homem falou, mas depois observou seus visitantes com atenção e reconheceu a face do noviço.
- Eros, meu jovem, quanto tempo!
Eros respondeu com um sorriso desconcertado e então o homem fechou a porta novamente, liberando a última tranca e finalmente abrindo o portal por completo.
Lucian e Eros adentraram a casa, cada qual com uma expressão. O primeiro ainda deixava transparecer sua relutância, já o seguindo ostentava um olhar calmo e até alegre.
Independentemente de suas reações, os dois contemplavam o ambiente ao seu redor. A sala de estar mal iluminada tinha um cheiro estranho, não chegava a ser ruim, mas também não era nenhum perfume. Enormes estantes cheias de livros empoeirados cobriam as paredes de cor escura, uma pequena mesa de madeira ocupava o centro da sala, junto às duas cadeiras que pareciam fazer parte do conjunto. A cozinha, pequena, parecia unir-se à sala de estar e uma escada em caracol estendia-se ao fundo, dando acesso ao andar superior. A mobília era extremamente rústica e dava à casa um tom antiquado.
- Vejo que trouxe companhia! E quem seria esse outro jovem? – Frogger mirava Lucian intrigado.
- Ah, claro. Frogger, este é...
- Meu nome é Lucian, muito prazer. – precipitou-se o mago, devolvendo o olhar inquisitor e evitando que seu sobrenome fosse mencionado.
- Encantado. Bom, sentem-se. Gostariam de um chá? – o alquimista apontou para a mesa no centro e saiu em direção a cozinha atrás do chá. O bule descansava nas chamas do fogão a lenha, emitindo o tradicional barulho que indicava que a água fervia.
Frogger era um homem de estatura mediana, olhos e cabelos castanhos. Usava um óculos com hastes pretas, sendo que a lente direita estava ligeiramente trincada. Suas roupas eram comuns, uma calça de couro marrom-escuro e um colete bege com botões. O que mais chamava atenção para o homem era o cinto preso à cintura, no qual ele prendia diversos frascos com substâncias coloridas. Por mais que sua imagem pudesse não ser das mais acolhedoras, Frogger era uma pessoa muito calma, solidária e divertida.
Mago e noviço tomaram seus lugares na pequena mesa, Frogger já com o chá em mãos, puxou uma terceira cadeira e juntou-se a eles, nesse momento, um barulho estranho pode ser ouvido vindo da cozinha, como que um arroto.
- Oh, me desculpem. A Jenny não tem passado bem ultimamente. – desculpou-se o alquimista apontando para a estranha planta que se remexia num vaso, na cozinha. A planta, também conhecida como Jenny, percebeu que chamara atenção e se contorceu levemente embaraçada, emitindo com isso mais um som peculiar.
Os dois garotos se entreolharam como de costume e resolveram deixar para lá.
- Perdoem o estado deplorável da casa, andei muito ocupado nos últimos tempos. Cada vez mais as pessoas precisam de poções nos dias de hoje, especialmente nas atuais circunstâncias...
Eros concordou com a cabeça, mas Lucian pareceu não compreender.
- Atuais circunstâncias? Que quer dizer?
- Você não sabe? Prontera está sob um rígido toque de recolher. Devido aos ataques de Orcs nas últimas semanas, o rei Tristan estabeleceu que ninguém deve perambular pela cidade após o pôr-do-sol, e os portões também são fechados nessa mesma hora.
- Ataques de Orcs? Não estava sabendo nada sobre isso... – Eros também pareceu se surpreender.
- Sim, o rei preferiu manter isso em segredo, você sabe, para evitar o pânico da população. Mas a cada dia chegam novos relatos de viajantes alertando para a quantidade de Orcs em nossas terras, parece que eles deixaram a Vila dos Orcs de vez, como se fossem convocados por alguma coisa, ou pior, por alguém. Então Tristan decidiu reunir as tropas reais e fortificar Prontera contra qualquer possível ataque, dois dias atrás ele partiu numa caravana com outros nobres e líderes políticos para um Conselho em Lightalzen.
- Mas, por que não fazer o Conselho aqui mesmo, em Prontera?
- Não é óbvio? Para não chamar atenção dos curiosos! Como Tristan manteria o controle do reino se a população soubesse que Prontera, a capital de Rune-Midgard, está ameaçada?
Os dois concordaram com as afirmações de Frogger.
- Como você sabe de todas essas coisas afinal? – indagou Lucian, após um curto período de reflexão.
- Vamos dizer que eu tenho minhas fontes dentro do palácio real. – respondeu o alquimista, orgulhoso.
Os dois ficaram em silêncio, pensando sobre o que acabaram de ouvir, Frogger por sua vez direcionou sua atenção para o bule de chá e foi buscar três xícaras na cozinha.
- Então me digam – começou servindo o líquido de cor bege – a que devo a honra desta inusitada visita? Duvido que tenham vindo aqui para ouvir histórias e conspirações acerca do governo. – sorriu o homem.
- Frogger, Lucian precisa de ajuda, e você é a única pessoa que eu conheço capaz de ajudá-lo. – Eros mantinha um tom mais sério, conseqüência da conversa anterior.
- Claro jovem Eros, ficaria feliz em poder ajudar. Qual o problema? – ele ajeitou suavemente os óculos, direcionando seu olhar para o mago.
- Bom... O senhor já ouviu falar nos Herdeiros de Asgard?
Numa questão de segundos a expressão do alquimista mudou. Frogger virou os olhos e suspendeu o sorriso, como se o simples citar daquele termo fosse um pecado.
- Asgard? Não, receio que não. Infelizmente não posso ajudar. – declarou finalmente, mas não convenceu nenhum dos dois garotos.
- Por favor Frogger, é realmente importante para Lucian saber mais sobre esse assunto...
- Oh meu jovem amigo, certos assuntos enterrados no passado devem ser mantidos ocultos, no passado. No entanto, se vocês realmente insistem, creio que não será de todo mal. Venham comigo, e preparem-se, vocês estão prestes a entrar nas memórias mais escuras de toda Rune-Midgard.
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